Se lhe fosse possível, Manuela arrancaria seu próprio coração fora, ainda pulsando. Da janela do quinto andar, via passar o trânsito e a vida; nada lhe pertencia.
Precisava de alguém com quem contar, alguém para dar as mãos e só chorar. Sentia-se estufada de terríveis ideias, até a tampa em fusão. Podia gritar; que fosse o mais alto possível! Mas nada lhe escapava e era como se mais conteúdo fosse sugado. Pelos seus poros, a dor e a poluição passavam, rumando para dentro. Estranha osmose de sentimentos que só funcionava de maneira imprópria.
Mesmo ali, no alto dos Quintos... lhe era o inferno. O calor, o cheiro de vilanias saturava o ar e era impossível não engasgar. Tudo estava podre, e Manuela absorvia sem consciência. Despercebida, sempre.
Quanto ao coração, realmente queria arranca-lo fora às dentadas. De que lhe adiantava o hóspede parasita, o agregado corporal que só exigia... e não dava nada em troca? Que relação era essa, que impregnara de impurezas o solo, a água e o ar? O terreno tornou-se árido, coração seco e sem possibilidade de reversão. Ou esperança; era o de se esperar, pelo menos deles.
De tudo, esperava que racha-se em dois, dez, mil. Que fosse levada para longe.
2 comentários:
Sensacional, Chamille. Sensacional!
Quase o começo de um livro. Perfeito.
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